A história é estranha mas cheia de paixão por uma cidade à qual, em vida, um homem quis entregar o seu coração, quando partisse um dia…
É provavelmente um caso único no mundo. O coração é o do rei D. Pedro IV de Portugal, também imperador Pedro I do Brasil, e está na Igreja da Lapa, no Porto. O corpo, esse está em São Paulo, no Brasil.
Nasceu em Lisboa, em 1798. Era filho de D. João VI, a quem sucedeu, e de D. Carlota Joaquina. Casou com D. Maria Leopoldina e, pela segunda vez, com D. Amélia de Beauharnais. D. Pedro IV foi cognominado de “O Libertador” porque derrotou o absolutismo defendido pelo irmão D. Miguel. Faleceu em 1834.
D. Pedro IV ficou na memória dos portuenses como símbolo de liberdade, patriotismo e força de vontade que, desde sempre, moveu a Cidade e os seus habitantes. A participação e o grande envolvimento da Invicta nas lutas liberais (1832-1833), sensibilizou particularmente o monarca. Como última vontade, deixou escrito no testamento a oferta do seu coração à sempre leal e invicta cidade do Porto. O “Rei Soldado” morreu de tuberculose, no palácio de Queluz, no dia 27 de setembro de 1834, e o seu coração chegou ao Porto em Fevereiro de 1835, sendo colocado na Igreja da Lapa, como sinal da sua imensa gratidão ao Porto, pela vitória sobre os absolutistas.
O coração do Imperador e Rei de Portugal está cuidadosamente guardado num vaso de prata dourada gravado com duas inscrições, sendo a primeira em latim e a segunda em português. Das quais se transcreve: “D. Pedro, Duque de Bragança, fundador da liberdade pública, seu doador e vingador havendo, por impulso da Divindade e com a sua grandeza de alma, aportado às praias do Porto e tendo ali, com o seu exercito e pela grande e quase incrível ajuda que lhe prestaram os Portuenses, vingando ao mesmo tempo e com justas armas, a Portugal, tanto de tirano que o oprimia como de toda a sua facção, elegendo o Duque, por isto mesmo, e ainda em vida, aquele lugar onde tão magnanimamente expôs a própria vida pela Pátria, para nela, depois da morte descansar o seu Coração, Amélia Augusta, amantíssima consorte do Duque, querendo, de boa vontade, cumprir o voto de seu Esposo, colocou, reverentemente, nesta urna, os despojos mortais do Coração de seu marido”.
A inscrição em português reporta-se a uma proclamação dirigida por D. Pedro IV ao povo Portuense, aquando da sua visita à Invicta em 1834: “Eu me felicito a mim mesmo por me ver no teatro da minha glória, no meio dos meus amigos Portuenses, daqueles a quem devo, pelos auxílios que me prestaram durante o memorável sitio, o nome que adquiri, e que honrado, deixarei em herança aos meus filhos”.
O túmulo que guarda tal relicário apresenta num lado a bandeira de Portugal e no outro lado a do Brasil ostentando ainda na parte superior as armas aspadas do Duque de Bragança.
Foi o primeiro Imperador do Brasil, governou entre 12 de outubro de 1822 e 7 de abril de 1831, data de sua abdicação. Declarou a Independência do Brasil em 7 de setembro de 1822, e outorgou a primeira Constituição brasileira, que vigorou de 1824 até 1889 com o fim do Império.
Mas D. Pedro IV de Portugal também foi o Imperador D. Pedro I do Brasil e este país reclamou o seu corpo. Foi sepultado, sem coração, no Panteão de São Vicente de Fora, como simples general e não como rei, como determinava seu testamento. No sesquicentenário da independência do Brasil, em 1972, seus restos mortais foram trazidos para a cripta do Monumento do Ipiranga, em São Paulo, onde D. Pedro gritou a independência.